segunda-feira, 28 de março de 2011

Série Ecos - No.2 - Ecoando Hilda Hilst

DO DESEJO


Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.


I
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

II
Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.

III

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.

IV
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

V
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.

VI
Aquele Outro não via a minha  muita amplidão.
Nada LHE bastava. Nem ígneas cantigas.
E agora vã, te pareço soberba, magnífia
E fodes como quem morre a última conquista
E ardes como desejei arder de santidade.
(E há luz na tua carne e tu palpitas.)

Ah, por que me vejo vasta e inflexível
Desejando um desejo vizinhante
De uma Fome irada e obsessiva?

VII
Lembra-te que há um querer doloroso
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam de desejo.
Não caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinários turbilhão.
Por que me queres sempre nos espelhos
Naquele caminhar, no pó dos impossíveis
Se só me quero viva nas tuas veias?

VIII
Se te ausentas há paredes em mim.
Friez de ruas duras
E um desvanecimento trêmulo de avencas.
Então me amas? te pões a perguntar.
E eu repito que há paredes, friez
Há molimentos, e nem por isso há chama.
DESEJO é um Todo lustroso de carícias
Uma boca sem forma, um Caracol de Fogo.
DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue
E outra com a ferocidade de Um só Amante.
DESEJO é Outro. Voragem que me habilita.

IX
E por que haverias de querer minha alma
Na tu cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, bucando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

X
Pulsas como se fossem de carne as borboletas.
E o que vem a ser isso? perguntas.
Digo que assim há de começar o meu poema.
Então te queixas que nunca estou contigo
Que de improviso lanço versos ao ar
Ou falo de pinheiros escoceses, aqueles
Que apetecia a Talleyrand cuidar.
Ou ainda quando grito ou desfaleço
Adivinhas sorrisos, códigos, conluios
Dizes que os devo ter nos meus avessos.

Pois pode ser.
Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo.
Pensá-LO é gozo. Então não sabes? INCORPÓREO
Pensá-LO é gozo. Então não sabes? ÉOOODESEJO.

Do Desejo, Hilda Hilst - Editora Globo

domingo, 27 de março de 2011

Seleção de Domingo: Silêncio, você consegue?


Fique em silêncio, absoluto silêncio. Você consegue? Fique parado, imóvel, relaxado, não pense, apenas respire, sinta, por um minuto, um minuto inteiro. Você consegue? Agora, perceba o mundo ao seu redor enquanto você fica em silêncio, parado, por um eterno minuto. Tudo muda ao seu redor, o mundo não para, as estações passam, as pessoas passam, os segundos passam, e tudo muda, até você. O difícil é não mudar. Então, consegue perceber? Consegue ficar parado? Em silêncio? Sem mudar? Consegue?

sábado, 26 de março de 2011

Série Ecos - No.1 - Ecoando Vinicius de Moraes

 Ausência 

Eu deixarei  que  morra  em  mim o desejo  de  amar os teus olhos
[que são doces
Porque nada  te  poderei  dar  senão  a  mágoa de me veres eter-
[namente exausto.
Noi entanto iai tua presença  é  qualquer  coisa  como iai luz iiei a
[vida
Ei eui sinto  que iemi meu  gesto  existe io teui gesto e em minha 
[voz a tua voz.
Não  te  quero  ter  porque em  meu  ser  tudoi estaria terminado.
Quero  só  que  surjas  em   mim   como  a  fé  nos  desesperados
Paraii que  ieu   possa  levar  uma igota  de  orvalho  nestai terra
 
[amaldiçoada
Quei  ficou  sobre   a   minha   carne   como  nódoa  do  passado.
Eui deixarei... tu  irás  e  encostarás  a  tua face  em  outra .face
Teus  dedos  enlaçarão  outros  dedos  e  tu desabrocharási para
[a madrugada
Mas  tu  não  saberás   que  quemi te colheu  fui  eu, iporque  eu 
[fui o grande íntimo da noite
Porque  eu  encostei  minha face  na  face da noite  e  ouvi a tua
[fala amorosa
Porque   meus  dedos  enlaçaram  os  dedos  da  névoa   suspen-
[sos no espaço
E  eu  trouxe  até  mim  a  misteriosa essência  do  teu abandono
[desordenado.
Eu   ficarei   só   como   os   veleiros   nos   portos   iisilenciosos.
Mas   eu   te   possuirei  como  ninguém   porque   poderei  .partir
E  todas  as  lamentações do mar,  do vento,  do céu,  das aves,
[das estrelas
Serão a tua  voz  presente, a tua voz ausente,  a  tua voz  sere-
[nizada.

Vinicius de Moraes - Antologia Poética, Companhia da Letras.

quarta-feira, 23 de março de 2011

when you're strange


People are strange, when you're a stranger
Faces look ugly when you're alone
Women seem wicked, when you're unwanted
Streets are uneven, when you're down

The Doors

segunda-feira, 21 de março de 2011

Encerro-me em mim mesma

“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser. O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la. [...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima. É pouco, é muito pouco.”

Clarice Lispector

sexta-feira, 18 de março de 2011

Eu?

Pessoal: 
• Irmãos: Não. 
• Signo: Gêmeos.
• Olhos: Castanhos.  

Citar: 
• Uma banda: Muse.
• Uma pessoa: É pouco...
• Um sentimento: Amor. 
• Um animal: Gato.
• Um meio de comunicação: Internet.
• Um desenho: Tom & Jerry.
• Uma estação: Inverno.
• Uma música: Love Today by Mika. 
• Um objetivo: Melhorar. 
• Um filme: Humm, só um? Bem, hoje penso em Les Amants de Louis Malle.
• Uma cantora: Florence Welch.
• Um cantor: Mika. 
• Uma flor: Orquídeas. 
• Uma roupa: Jeans e camiseta. 
• Um programa de televisão: Saturday Night Live. 
• Um horário: 7:30 uhull! 
• Um verbo: Sorrir. 
• Um ídolo: Lisbeth Salander.
• Um número: 13.
• Uma comida: Pizza!
• Uma letra: R.
• Um doce: Chocolate.
• Um amor: Procurando...
• Um livro: Persuasão de Jane Austen.
• Um passatempo: Escrever.
• Uma marca: Melissa.

Escolha: 
• Dia/Noite: Noite.
• Amor/Paixão: Agora não sei.
• Pôr do sol/Nascer do sol: Nascer do Sol.
• Verdade/Desafio: Desafio.
• Piscina/Mar: Mar.
• Bolo/Torta: Bolo.
• Praia/Campo: Ambos.
• Cego/Surdo: Cego. 

Nas Últimas 96 Horas (4 Dias):
• Chorou? Sim. 
• Escreveu uma carta? Não.
• Falou com o seu amor? Dã!
• Sentiu-se estúpido(a)? Sim.
• Teve uma conversa séria? Sim. 
• Viu alguém que não via há muito tempo? De certa forma, sim.
• Conheceu alguém? Sim.
• Sentiu falta de alguém? Sim.
• Apaixonou-se? Não.
• Fez alguém chorar? Espero que não.

Voce se acha: 
• Um bom(boa) ouvinte? Sim. 
• Uma boa companhia? Sim.
• Uma pessoa feliz? Algumas vezes. 
• Bonito(a)? Sim.
• Um bom amigo(a)? Sim.
• Um bom(boa) conselheiro(a)? De vez em quando. (Caracas! Acabei de descobrir que se escreve "de vez em quando" e não "de vez enquando". Santa ignorância!)

Aleatórias: 
• Já pensou em se matar? Sim. 
• Se apaixonou por algum professor? Sim. 
• Se declarou para alguém? Sim.
• Guardou algum segredo? Sim.
• Sente saudades de que? Praia do Matadeiro.
• O que costuma tomar de café da manhã? Torradas e café.
• Voce coleciona alguma coisa? Não. Bem, talvez lembranças.
• Uma música que marcou a sua vida: Filme Triste cantada por Chico César.
• Uma música que você está vivendo:  Rain by Mika.
• Que tipo de filme você curte? Franceses bem dramáticos.
• Voce toca algum instrumento? Não.

domingo, 13 de março de 2011

Seleção de Domingo: Repaginar as vezes é bom

Nonsense! Antes...



Hino! Depois...



Mata que é bicho! Antes...



Pai do céu! Depois...



Nossa Diva! Antes...



Tenso! Depois...

quarta-feira, 9 de março de 2011

amor tece dor

Vida que segue. A vida segue e eu permaneço sã e salva aqui no meu mundinho. Quem me dera fosse assim tão fácil... Não, não é fácil. Virtudes? Virtudes eu tenho várias, mas de que elas me servem? A paciência não é uma virtude, a paciência é a minha sina. Desde o instante em que nasci eu estava predestinada a ser eternamente paciente. Esperar que o tempo passe. Le temps est une invention des gens incapables d’aimer. Sim, é verdade, o tempo é uma invenção de pessoas incapazes de amar. Eu não vejo o tempo passando, mas sempre o sinto me atropelar. O tempo passa e deixa pra trás suas reminiscencias. Eu vivo tropeçando nos escombros de tempo. Eu não sou incapaz, eu amo demais. Isso me faz capaz? Não sei, eles não me amavam, por que eu deveria  continuar a amá-los? Sim, eu sei. Se eu sabia, por que continuei? Sempre há esperança, por mais vã e fraca, sempre há esperança. A taça, o vinho, o rubor,... "Você vêm?" Eu fui, eu tinha medo, mas mesmo assim eu fui. Queria poder me lavar por dentro assim como me lavo por fora. Ensaboar tudo sob a pele que me recobre. Esfregar tanto, e tudo, até que fique limpo, um corpo limpo e uma mente limpa. Isso? Eu disse isso porque cansei, eu me cansei de mim mesma. Todos os dias eu revivo a mesma estória, eu vejo o mesmo filme passando e repassando diante dos meus olhos, as vezes como uma lembrança desbotada e outras vezes como um corte recém aberto na carne. Dói? Não, sim, as vezes, eu já me acostumei com a dor, por isso não dói mais, não dói tanto. Como eu faço? Eu me fecho, eu me encolho, eu me abraço, eu me protejo... Amanhã, o amanhã sempre chega e mais uma vez eu posso tentar esquecer. Sim, eu sei, tentar esquecer é apenas mais uma forma de lembrar. Talvez, talvez eu ainda não esteja preparada para esquecer. Mas... Vive-se mais feliz no esquecimento?


segunda-feira, 7 de março de 2011

The weight of the world is love

O início com a música...

Will Young 'All Time Love' from Tom Lindsay on Vimeo.


O meio com a poesia...

Canção (Song)
           Allen Ginsberg

O peso do mundo
         é o amor.
Sob o fardo
       da solidão,
sob o fardo
      da insatisfação

       o peso
o peso que carregamos
       é o amor.

Quem poderia negá-lo?
          Em sonhos
nos toca
      o corpo,
em pensamentos
      constrói
um milagre,
      na imaginação
aflige-se
      até tornar-se
humano -

sai para fora do coração
        ardendo de pureza -
pois o fardo da vida
          é o amor,

mas nós carregamos o peso
             cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
      finalmente
temos que descansar nos braços
                do amor.

Nenhum descanso
        sem amor,
nenhum sono
       sem sonhos
de amor -
           esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
         ou por máquinas,
o último desejo
          é o amor
- não pode ser amargo
        não pode ser negado
não pode ser contido
      quando negado:

o peso é demasiado

      - deve dar-se
sem nada de volta
       assim como o pensamento
é dado
   na solidão
em toda a excelência
     do seu excesso.

Os corpos quentes
     brilham juntos
na escuridão,
     a mão se move
para o centro
       da carne,
a pele treme
        na felicidade
e a alma sobe
      feliz até o olho -

sim, sim,
      é isso que
eu queria,
    eu sempre quis,
eu sempre quis
    voltar
ao corpo
    em que nasci.
                                            O Fim...
... é apenas um novo começo.                                  

quinta-feira, 3 de março de 2011

Eu tive um sonho...

La Dormeuse por Tamara de Lempicka

Minha mente me prega peças de vez em quando, ela me ilude com sonhos. Não falo daquelas ideias ou desejos que perseguimos ao longo da vida, mas sim desses fantásticos cenários compostos com pequenos fragmentos de memória pelo nosso inconsciente. Uma pitada de realidade e um bocado de ficção. Minha mente vive revirando essas memórias, pois exatamente quando eu penso que algumas delas já haviam se acomodado, eis que a mente (demente) transforma-as num sonho só para me (re)lembrar. Antes eu conseguia rir com os sonhos, mas noite passada eu tive um sonho que me fez chorar. Era um sonho bom, por isso foi tão triste... era uma fantasia. O que eu queria entender é o porquê desses sonhos que são inocentemente criados para me atormentar. Sou eu que me atormento assim? Ou é apenas uma peça pregada pela minha mente? Aonde foi que eu perdi a minha capacidade de sorrir?

terça-feira, 1 de março de 2011

Achados e perdidos... num diário de 1999

"Hoje eu estava me sentindo mal, me achando egoísta e má por sentir ciúme da minha melhor amiga só porque ela gosta do mesmo garoto que eu, por isso escrevi uma poesia. Todo mundo achou ela linda, mas eu achei ela tão egoísta e má quanto os meus próprios sentimentos."

meu sentimento é como a areia
que se esvai por entre os dedos
quero possuir o ser amado
quem eu amo não me quer
quem eu quero não amo
ora quero possuir seu ser
ora quero amá-lo
não quero magoar
mas só mágoa é o que trago
escondo em mim uma besta bravia
sedenta de seu carinho
me escondo em minha própria inocência